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Podemos abrir mão da nossa dignidade?


Adriano Ravaioli

Advogado.

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23/12/2020 • 21h36

A dignidade da pessoa humana integra nosso ordenamento jurídico-constitucional, estando inserida logo no art. 1º da Constituição Federal, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Sendo um dos fundamentos, desnecessário é o aprofundamento sobre a sua importância na nossa Constituição Federal.


Tamanha importância teria a prerrogativa de tornar os direitos fundados na dignidade da pessoa humana irrenunciáveis? Ou, ao contrário, poderíamos, enquanto titulares desses direitos, renunciar a eles? É possível abrir mão de direitos que se baseiam na dignidade humana? Antes de respondermos, vejamos dois exemplos:

O primeiro é o do cidadão francês Manuel Wackenheim, cuja altura de aproximadamente um metro e quatorze centímetros, em muito reduziu suas chances de conseguir um emprego, digamos, convencional.


Diante da dificuldade em encontrar um emprego, Manuel dedicou-se a uma atividade pouco comum. Vestido com roupas acolchoadas, com alças nas costas, usando um capacete, ele era arremessado em direção a um colchão de ar, por clientes de bares e discotecas no interior da França, fazendo a diversão desses.


A peculiaridade da atividade ganhou popularidade e atraiu a atenção das autoridades francesas. Naquele mesmo ano, o prefeito da cidade de Morsang-sur-Orge proibiu a atividade. O próprio Manuel recorreu à corte de Versailles, que reformou a decisão, permitindo a competição de arremesso de anão, por entender que não havia qualquer distúrbio à ordem, à segurança ou à saúde pública. O prefeito apelou ao Conselho de Estado francês, que acolheu o recurso, proibindo a atividade por considerá-la uma afronta à dignidade humana.


Não satisfeito com o resultado, Wackenheim apresentou uma reclamação ao Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, afirmando, em síntese, que a proibição de exercício da sua atividade, ao contrário de proteger, violava sua dignidade humana, vez que o impedia de exercer uma profissão, além do que a decisão afrontava a sua liberdade, sua privacidade e configurava ato discriminatório contra os portadores de animismo. O comitê da Organização das Nações Unidas (ONU), dentre outras coisas, concluiu que a proibição da atividade de arremesso de anão fora acertada, porquanto baseada em critérios objetivos e razoáveis, inexistindo violação aos direitos humanos. [1]


Note-se que o próprio titular dos direitos – aquele cuja dignidade estaria ameaçada por estar sendo tratado como coisa, arremessado de um lado ao outro, ao contrário de grande parte das pessoas que lutam ferozmente para proteger seus direitos, sua dignidade – requereu diversas vezes, em diferentes tribunais e instâncias, que o seu direito (à dignidade humana) não fosse protegido.


Outro exemplo que pode ilustrar o tema é a venda de órgãos humanos, atividade legalmente proibida, mas que determinadas pessoas, diante de situações extremas que aflijam a si próprias ou aos seus, se submetem, renunciando, voluntariamente, a direitos fundamentais, direitos fundados no valor maior da dignidade humana.


Para atender às suas necessidades e de seus familiares, as pessoas são capazes de sacrifícios extremos, concordando com a violações de seus direitos, diante de uma situação intolerável. Por isso, os direitos fundados na dignidade humana, a nosso sentir, devem, realmente, ser irrenunciáveis sob o ponto de vista legal, no sentido de que o seu titular não pode deles abrir mão de forma definitiva. [2]

O tema é espinhoso e comporta distintas considerações e opiniões, mas parece-nos acertada a proibição de núncia a tais direitos. A depender da situação posta, as pessoas não mediriam esforços, nem refletiriam adequadamente antes de tomarem atitudes extremas e irreversíveis.


[1] WACKENHEIM, Manuel. v. France. Communication Nº 854/1999. U.N. Doc. CCPR/C/75/D/854/1999 (2002). Disponível em: http://hrlibrary.umn.edu/undocs/854-1999.html. Acesso em: 21 de out. 2019. [2] LÔBO, Paulo Luiz Netto; LUIZ, Paulo. Autolimitação do direito à privacidade. Revista Trimestral de Direito Civil, São Paulo: Renovar, 2008, p. 94.

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